terça-feira, 11 de janeiro de 2011

A Cartomante do Pampa.

A Cartomante do Pampa

Imaginar o que uma traição repercutirá nas atitudes do ser que a sofre é impossível. Alguns aceitam, outros se vingam. Mas, de uma forma ou outra a desilusão não pode ser evitada. Com a vingança mais presente no coração que o perdão, um gaúcho desiludido entrega seu próprio destino à morte.
A prenda Elisa era a mais bela moça do Pampa. Seu esposo, um fazendeiro muito respeitado, costumava chamá-la de minha “china véia”.
Certo dia, ela revela ao amado que consultou uma cartomante a qual morava em Dom Pedrito. Ele meio assustado, meio arredio, questionou o motivo dela se deslocar de Bagé a outra cidade para saber coisas que nem seriam verdadeiras.
_ Não deboches de mim, por favor! Saí nesta empreitada por estar com medo do meu marido. Ele anda desconfiado, nos olha com raiva.
_ É impressão sua, chinoca! O João jamais vai saber de nosso caso.
_ Consultei a mulher das cartas e ela me garantiu que João morrerá sem saber de nosso amor.
_ Tu acreditas mesmo no que ela disse?
_ Bah! Não tenho certeza de nada, mas ela me pareceu ter confiança no que dizia.
_ Então, não te assustes vivente!
Victor não queria dizer para sua amada que não acreditava em previsões para não magoá-la. Queria vê-la tranqüila e sem questionar suas posições relacionadas às crendices populares.
Embora soubessem dos riscos que tinham, o amor não os fez parar o romance.
Elisa usava vestidos de prenda, sapatos pretos com salto baixo e uma trança no cabelo escuro. Tinha olhos verdes e envolventes. Victor não resistiu aos encantos dela e apesar de ter sido acolhido por João, caiu em tentação.
Victor era chamado por João de peão amigo. Logo que chegou em Bagé estava sem ter onde morar e desempregado.Conheceu João por acaso numa visita à Igreja de São Sebastião. Victor tinha ido rezar para pedir emprego e João ouviu sem querer as suas preces, chamando-o para trabalhar na sua estância como peão para auxiliar no cuidado com o gado, fazer a “lida” do campo, assar o churrasco, entre outras coisas.
Victor criou um vínculo de amizade muito forte com João. Porém, a beleza de Elisa fazia-lhe pulsar o coração de forma acelerada. Não tardou para os dois se apaixonarem perdidamente.
Elisa casou-se com João a pedido do pai que estava à beira da morte. Ela não o amava, mas acolheu o desejo dele. João era um gaúcho que não cuidava muito da aparência, estava sempre “pilchado” com desleixo. As “bombachas” eram desbotadas e as botas sempre sujas. Tinha barriga grande e um bigode de assustar. Já Victor tinha um porte atlético, era vaidoso, bastante perfumado e fazia questão de deixar os músculos expostos para que os homens sentissem inveja e as mulheres desejo.
Quando João fazia negócios no Centro da cidade, Victor e Elisa encontravam-se no campo e se acariciavam com amor. Depois de algum tempo, perderam a razão e mantinham o romance dentro da casa do fazendeiro.
João saía muito durante o dia e não percebia o que estava acontecendo. Os amantes tinham os mesmos gostos. Passeavam a cavalo, colhiam os ovos das galinhas, organizavam os churrascos, dançavam “vaneira” e tomavam“chimarrão”.
Um dia Victor recebeu um bilhete anônimo, no qual estava escrito:
_ Afaste-se de Elisa, pois estás correndo perigo!
Victor não sabia se o bilhete era para ajudá-lo a se precaver de uma atitude de João ou se era uma ameaça do mesmo. Quando ele contou à Elisa o fato, ela procurou a cartomante.
Por precaução, afastaram-se por alguns dias. Depois da consulta, Elisa sentiu-se aliviada e voltou a encontrar seu amante. Victor não parecia estar mais calmo com o que Elisa lhe disse. Continuou recebendo outros bilhetes que lhe deixavam impaciente e temeroso.
Após um mês, Victor recebeu um bilhete no qual estava escrito:
_ Venha até o poço hoje ao meio-dia! Precisamos conversar antes que seja tarde!
Victor assustado, mas preocupado com Elisa, não sabia o que fazer.
Lembrou-se da conversa que teve com Elisa sobre a Cartomante do Pampa e antes de ir ao encontro, viajou para Dom Pedrito. Chegando lá, avistou um casebre escuro e sujo. Na janela, estava olhando para ele uma mulher humilde com trajes coloridos. Ele sentiu um arrepio e mesmo assim entrou na casa dela.
_Sente-se “guapo”. O que te traz aqui é o medo e o desespero.
_ Sim, senhora. Estou apavorado, tchê!
As cartas de tarô, grandes e bonitas foram sendo postas na mesa.
Ela disse:
_ Retire 3 cartas, “guapo”. Elas representam teu passado, presente e futuro.
Victor não estava preocupado com o passado. O presente era preocupante e o futuro assustador.
A mulher desvirou as cartas e uma a uma revelando o que dizia interpretar.
_ A primeira carta mostra teu amor por uma bela prenda. Mas, ela é comprometida com outro.
Victor suava gelado. Confirmou o que ela disse.
_ A segunda carta mostra que este gaúcho é seu amigo. Acolhe-te em sua casa.
_A terceira carta mostra que o romance de vocês não será descoberto. Terão muitos anos de amor.
Victor admirado com a cartomante e suas previsões viu um prato com “torresmos” na prateleira atrás dela.
_ Quantos quilos de “torresmos” a senhora quer por ter jogado cartas pra mim?
_ Quantos o seu coração quiser, “guapo”.
Victor pensou em trazer os “torresmos” assim que resolvesse a situação com João e seu intrigante bilhete. Pagou R$ 50,00 pela consulta.
A mulher admirou-se, pois cobrava apenas R$10,00.
_Vá em paz, “guapo”! Segue teu coração e cuida da prenda que estimas!
Victor ansioso para resolver a situação saiu aliviado.
No caminho pensou em como tinha sido ingênuo de imaginar absurdos depois de ter recebido o bilhete. Já havia pensado até numa cena em que João estava com um facão lhe esperando no poço.
Ao chegar ao local marcado, viu João sério como se estivesse com raiva.
_Se aprochegue vivente. Olhe para este poço.
_ Desculpe a demora amigo. Tinha coisas para resolver.
_ Não tem problema. Olhe para dentro do poço.
Victor deu um grito de terror ao avistar o corpo de Elisa boiando n’água.
Após, João pegou sua faca “carneadeira” e proferiu golpes contra Victor sem que ele conseguisse sequer pensar em reagir.
_Pegou minha “china”, agora morra desgraçado!
_Vai morrer como um porco, tchê!
Quando João viu os corpos mortos de sua esposa e de seu amigo, pensou que os vizinhos iriam saber de seus atos e sem pensar muito foi até uma árvore.
_Aqui fica um corno vingado! Escreveu com a faca na árvore. Pegou uma corda grossa amarrou-a na árvore e no pescoço atirando-se contra o chão.
Três corpos e um amor platônico. Assim acaba a história de destinos que estavam fadados à morte.


FIM

Um comentário:

  1. Queridos alunos,
    Parabéns pelo texto e pela condição intertextual alcançada!
    A adaptação sugerida foi muito bem articulada com a temática que traz o conto de Machado de Assis.
    Um abraço!
    Maria Cristina

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